sexta-feira, 30 de maio de 2014

A história do Quarteto Novo, Geraldo Vandré - Hermeto Heraldo Théo & Airto


Geraldo Vandré canta a belíssima música Maria Rita

letra da música

pego a viola me lembro dela 
toco a viola só quero ela

Só mesmo Rita na vida aflita 
quando se agita em laços de fita 
traz alegrias pro meu cantar

pego a viola me lembro dela 
toco a viola só quero ela Bis

pego a viola
laços de fita na vida aflita 
so mesmo Rita quando se agita 
traz alegria pro meu cantar

pego a viola me lembro dela 
toco a viola só quero ela Bis

pego a viola
na vida aflita quando se agita 
so mesmo Rita em laços de fita 
traz alegrias pro meu cantar

pego a viola me lembro dela 
toco a viola só quero ela Bis

pego a viola
quando se agita so mesmo Rita 
em laços de fita na vida aflita 
traz alegrias pro meu cantar

pego a viola me lembro dela 
toco a viola só quero ela Bis

pego a viola

música Aroeira de Geraldo Vandré - reprodução do próprio disco

Letra da música

Vim de longe, vou mais longe
Quem tem fé vai me esperar
Escrevendo numa conta
Pra junto a gente cobrar
No dia que já vem vindo
Que esse mundo vai virar
Noite e dia vêm de longe
Branco e preto a trabalhar
E o dono senhor de tudo
Sentado, mandando dar.
E a gente fazendo conta
Pro dia que vai chegar
Marinheiro, marinheiro
Quero ver você no mar
Eu também sou marinheiro
Eu também sei governar.
Madeira de dar em doido
Vai descer até quebrar
É a volta do cipó de arueira
No lombo de quem mandou dar.

música "quem quiser encontrar o amor" da Fase bossa nova de Geraldo Vandré

música que mostra a fase que Geraldo Vandré teve na bossa nova, que poucos conhecem. A presente gravação dele tem Baden Powell no arranjo e no violão, e saiu pela RGE em junho de 1961, no 78 rpm 10311-A, matriz RGO-2024. No verso apareceu outro samba, "Sonho de amor e paz", da parceria Baden Powell-Vinícius de Moraes.

o link do video com a música segue abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=mv7XFnXxu_M

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Escritora Dalva Silveira lança o livro "Geraldo Vandré - a vida não se resume em festivais"


Excelente entrevista da jornalista Jeane Vidal com Jair Rodrigues ao falar detalhes da vida de Geraldo Vandré


a entrevista também está disponível em:
http://vandretempoderepouso.blogspot.com.br/2011_02_01_archive.html


Jeane Vidal - Começou com Disparada sua relação com o Vandré ou ela já existia?
Jair – Não, foi muito antes, porque quando eu gravei o meu primeiro disco em 1962... E depois a gente foi dando continuidade às gravações, eu me lembro que eu regravei muita coisa. Porque o Geraldo Vandré não tem só Disparada. Ele tinha música com Carlos Lyra, com o Baden Powell, com o Vinícius, Fernando Lona, Theo de Barros, e eu me lembro que eu regravei Aroeira, gravei Rosa Hortência Margarida. E eu não conhecia o Vandré, conhecia assim de composições, mas, de estar juntos pra conversarmos não.

JV – Quando você gravou essas músicas, não havia ainda esse contato?
Jair – Não havia ainda esse contato. E quando eu fui defender Disparada, eu conhecia mais o pessoal do Trio Marayá e do Quarteto Novo, que era o Heraldo, o Hermeto Pascoal, o Theo e o Airton Moreira. Eles eu já conhecia. Conhecia esse pessoal todo. Aliás, foi até o Hilton Acioli que me apresentou Disparada. O Solano Ribeiro quando ia começar o Festival, ele começou a chamar os artistas para interpretar. E eu me lembro que me deram uma música que era Canção para Maria do Paulinho da Viola e do Capinan. E de repente eu já estava aprendendo a música para começar o ensaio, aí o Hilton Acioli falou comigo: olha eu tenho uma música aí, já falei com o Solano Ribeiro, eu sei que você já tem uma, mas eu falei com o Solano, e se você gostar da música não tem problema, você defende duas. Então eu marquei com ele lá em casa, ali no centro, na Rua Aurora quase esquina com a São João, ele foi lá, minha mãe estava fazendo almoço quando ele chegou, começou mostrar a música, aí eu notei que começou descer o pessoal do prédio e ficaram ali escutando. A minha mãe parou de fazer a comida e começou a prestar atenção na música... Se tivesse que ter um 1º lugar já teria ali mesmo, lá no prédio mesmo. Aí, eu me encontrei com o Geraldo me falando a seguinte palavra, porque o Geraldo ficou meio estranho quando o Hilton Acioli me convidou, ele ainda não atinava nada sobre mim, eu era e Graças a Deus sou até hoje, aquilo era nato, coisa minha, de fazer minhas bagunças, plantar bananeira, chamava todo mundo de cachorrão. Então ele chegou a dizer para que eu não brincasse com a música dele porque a música dele era uma coisa séria, aí eu o mandei à merda. Vai-te à merda rapaz! Então você não me conhece! Eu fui crooner, cantei durante 10 anos na noite, então a gente cantava de tudo. Então não é porque eu fazia essas brincadeiras... “Pô”, quando eu pego uma música, já sei o que a música quer dizer. Aí, depois ele me pediu mil desculpas. Eu falei: não, tá tudo bem, você até tinha razão, você não me conhece, sempre me vê na televisão daquela forma. E foi assim depois os nossos papos. Mas era muito esporádico. O Vandré nunca foi de se chegar, sempre foi um cara meio reservado, só tinha mesmo amizade com o trio Marayá, às vezes nem com o trio, né? Com o Behring, ele tinha muita amizade com o Behring, com o Hilton Acioli, ele sempre foi reservado, nunca participava dos papos, era assim todo estranho. Eu me lembro que ele ia ter um programa só dele, acho que não chegou nem a ir no ar.

JV – Chegou sim, ficou no ar por volta de 2 meses...
Jair – E eu fui convidado a participar dos programas, mas aí no dia da gravação eu também tinha meus compromissos e nem pude participar. Depois eu fiquei sabendo que o programa entrou no ar, mas saiu logo, né.
E eu encontrei com o Vandré tem uns 2 meses atrás. E antes, quando ele voltou do exílio, eu estava fazendo show numa casa lá perto do Aeroporto. Eu morava lá na Av. Iraí. Aqui no Aeroporto de Congonhas. Aí de repente, eu estava ensaiando numa casa lá, quando eu olhei Geraldo Vandré Cabeludo. Aí chegou, ficou me olhando, ficou bem na minha frente, aí eu convidei. “Pô” Vandré, vai amanhã lá em casa. No outro dia ele foi à minha casa com a secretária dele. De repente sumiu, nunca mais eu vi o Vandré. Há um mês e meio atrás eu estava me preparando para lançar outro disco de nº 46 que é Jair em branco e preto. Aí eu me lembrei que o Vandré tinha falado pro Fernando Faro, o Fernando Faro vem muito jogar bola aqui, tem um campinho de futebol aí, então ele vem. Eu fui abrir o portão para Fernando Faro, e quando eu abri o portão, eu vi que o Fernando Faro estava no telefone, aí ele falou: Tô falando com o Vandré. Tem uns 3 meses, depois de 1 mês e meio, a gente se encontrou. Então uns 3, 4 meses atrás, o Fernando Faro falou: sabe com quem eu tô na linha? Com o Vandré e ele quer falar com você.
- Fala aí Vandré?
- Quem fala?
- É o Jair.
- Ô Jair, tudo bem? Olha quando é que você vai fazer um disco só com as minhas músicas? Eu gostaria que você gravasse um disco só com as minhas músicas.
- “Pô” Vandré, seria super legal e demorou; eu vou fazer isso... - E comecei a correr atrás. Encontrei com o Manoel Barembem que é um produtor que conheceu muito o Geraldo Vandré, aí eu contei esse caso para o Barembem. O Barembem falou: olha tem o Renato Teixeira que Vandré mostrou umas “trocentas” músicas inéditas. Aí eu falei: Pô, legal, eu vou falar com o Renato Teixeira e se ele não for gravar a música... “Pô” porque eu não vou fazer regravações do Vandré, eu já gravei quase todas! Já gravei “Pra não dizer que não falei das flores”, já gravei Disparada, Aroeira, Margarida... Aí não pude falar com o Renato. Quando foi um mês, um mês e pouco, acho não foi nem um mês, eu liguei para o Behring e falei: Behring, olha o Vandré havia me falado sobre eu gravar a música. Ele (o Bhering) falou: “Pô” Jair, eu vou ligar e marcar da gente se encontrar. Eu dei meu telefone e o Vandré me ligou.
- Jair, você ta na cidade?
- Não, mas eu “to” indo amanhã.
- Você quer almoçar com a gente?
- Vamos, almoçar!
- Você gosta de peixe?
- “Pô” adoro...
A gente marcou ali no estúdio, no estúdio da trama, na Alves Guimarães.
Aí a gente comeu, mas, eu não entendi nada. Porque o Vandré... A gente foi a pé para o Restaurante, conversando, e o Vandré ficou atrás da gente, aí eu percebi que ele estava fotografando...
- Você virou fotógrafo agora Vandré?
- Não, não, vão conversando aí que o papo de vocês é outro.
- Que papo de vocês é outro? O papo nosso é aqui mesmo. Aí a gente chegou ao restaurante, ele sentou lá um bocadinho, daqui a pouco ele se levantou, foi lá atrás e pegou a filmadora, começou a filmar e bater foto.
Eu disse: Vamos conversar “veio”, vem cá, vamos ver quais são suas músicas.
Ele disse assim: negócio é o seguinte...
- Ô Geraldo, ô Vandré!
- Eu não sou o Vandré! Eu sou o advogado do Geraldo Vandré, e falou o nome todo.
- Vandré ainda não voltou do exílio.
- Deixa de besteira rapaz, senta aí e vamos conversar. Aí a gente começa a conversar, mas aí eu não sei se isso faz bem para ele, deixar a gente pensando que ele tá pirado.
Aí eu falei. Vem cá véio, vamos bater um papo. Então, e as suas músicas? Olha me interessa muito, a gente gravar, a gente pode gravar no estúdio lá do Behring e já falei com o Manoel Barembem, ele pode produzir porque ele é um grande produtor. Aí ele fala que queria que a Simone também participasse.
- Eu digo: Perfeitamente!
- Simone inclusive gravou muito bem “Pra não dizer que não falei das flores”.
- Olha, mas eu quero que você grave Disparada e a Simone, grava Caminhando.
- Aí eu digo: ”Pô” Vandré eu to sabendo que você mostrou para Renato Teixeira “trocentas” músicas novas tuas, vamos ouvir suas músicas, vamos marcar lá no estúdio do Behring. Você grava todas as músicas, depois a gente escolhe para gravar 14.
Bom, então eu vou fazer o seguinte. Eu detesto frio, eu adoro calor, e sou um cara que de repente você me procura e eu “to” lá na praia do norte, sozinho. Então, eu vou fazer o seguinte: eu “to” indo para o México, vou ficar lá um tempo aí eu vou me lembrar da músicas novas que eu tenho e quando eu lembrar tudo direitinho te telefono e você vai pra lá e nós vamos fazer uns shows na fronteira.
- Pô Vandré, assim não dá! Como você vai para lá? A gente tem que gravar é aqui. Você quer gravar as músicas lá, só de músicos, “pô” músicos mexicanos são bons nas músicas deles, vai ficar muito caro, vamos gravar aqui.
- Então eu vou para lá, quando eu voltar eu já falo com o Behring, a gente se junta e grava, tá bom assim?
- Tá, ta bom assim.
- Eu até falei para o Behring: Behring você que foi muito amigo do Vandré, é amigo, o Vandré tem problemas com a censura quando ele foi embora, judiaram dele? Ele disse: não, o Vandré sofreu muito...
Aí eu comecei prestar atenção porque o Behring disse que de fato eles iam pegá-lo.
- Eles iam pegar o Vandré para sumir com ele.
Aí eles avisaram o Vandré.
Jeane veja bem: eu estou aqui dentro da minha casa aí de repente eu recebo um ultimato que eu tenho 5 minutos para sair, para ir, para não sei onde, fora do Brasil. Como é que fica minha cabeça.
- A pessoa fica totalmente desestruturada.
- Fica, o desestruturou todo. E eu me lembro quando ele voltou do exílio, ele veio até aqui em casa.
Eu já me encontrei com ele umas 4 vezes depois que ele voltou do exílio.
E uma das vezes, que ainda ninguém falava de gravá-lo, a secretária dele me ligou e falou: onde é que você tá morando Jair? Aqui é a secretária do Vandré e eu cuido da Editora Benvirá produções. O Geraldo Vandré quer ir aí à sua casa. Aí, eu dei o endereço e eles vieram, aí foi quando ele falou, eu quero te mostrar umas músicas e começou a cantar um tango em espanhol, aí eu perguntei: isso é teu? Aí eu peguei o gravador para gravar e ele disse que não, eu não quero que você grave não, primeiro eu quero te mostrar. Aí, ele começou mostrar músicas que eu já conhecia. “Pô” Geraldo Vandré eu vou te falar uma coisa, ô véio, todas as gravadoras, a Movie Play, a Som Livre, a Nova Copacabana, a Philips, estão lá, doidas, querendo fazer um disco com você porque você é um dos ícones da MPB, o povão tá com saudade de você. Quando eu falei povão, ele se levantou: não me fale em povo, não gosto do povo, povo para mim é lombriga. Aí, ele falou assim: eu vim te convidar aqui para a gente cantar nas fronteiras, a gente vai cantar nas fronteiras do Paraguai, Uruguai e se não tiver ninguém lá para gente cantar nas fronteiras, a gente canta para um pé de couve, pé de alface, pé de coentro.
Agora recentemente eu contei para o Behring essa história, e eu perguntei: O Vandré sofreu aquele negócio, o pessoal mexeu com a cabeça dele, deram choque?
- Não, não aconteceu nada. Era para acontecer muito pior, mas, a gente avisou e ele vazou antes. É que ele chegou lá sozinho, né? longe de todo mundo...
Eu soube, não sei se é verdade, que ele foi parar em Paris.


JV – Ele ficou 18 meses em Paris.
Jair - Foi lá que ele fez Das Terras do Benvirá...

JV – Eles gravaram em 70, mas foi editado no Brasil só em 73.
Jair – É, e aí depois quando eu fui lá a Paris: Puxa, vou ver se eu encontro o Vandré. Aí eu fiquei sabendo que ele não “tava” mais, tinha vindo não sei se para o Paraguai...

JV – Chile.
Jair – Do Chile é que ele veio para cá né?

JV – Houve uma negociação entre o governo brasileiro e os familiares dele para permitir que ele voltasse porque ele não estava bem de saúde.
Jair – Ele voltou para o mesmo apartamento dele antigo, e a gente sente, eu sinto porque eu gosto, te juro por Deus, eu acho o Geraldo Vandré, se não for o maior compositor dos anos 50, 60 para cá, é um deles. As músicas deles são muito bem feitas, as letras bem feitas, desde Caminhando, Disparada, Aroeira e tantas e tantas outras “Quem quiser encontra o amor...

JV – Eu assisti a uma apresentação do Carlos Lyra no Memorial da América Latina, ele cantou Quem quiser encontrar o amor.
Jair – A que eu gravei foi Aroeira que é talvez a mais brava de todas. Talvez essa seja mais forte e não prestaram muita atenção...

JV – Na verdade a música que chamou atenção mesmo dos militares foi Caminhando e Disparada também. Eu li uma entrevista sua onde você disse que todo mundo podia cantar Disparada, mas se Vandré cantasse, os militares, caíam em cima...
Jair – Foi, foi os próprios... aquele pessoal porque eu tinha amizades... O meu irmão era sargento do exército, aí meu irmão falou: Jair você não se meta com esse negócio de esquerda festiva, continua assim como você tá, porque tá uma confusão, você tem outro estilo, o pessoal gosta muito de você, então eu falei: não, eu não vou me meter nisso não. Quando eu soube depois que o Geraldo Vandré ia defender Disparada....

JV – Ele tinha uma excursão pela Rhodia...
Jair - É ele tinha uma excursão pela Rhodia e ao mesmo tempo eu fiquei sabendo que se fosse o Vandré a defender a música eles iam tirar a música do festival. Ainda mais essa. Eu fiquei sabendo, eu “to” vendendo para você, mas eu comprei assim, dessa forma, não sei se foi verdade ou não.


JV - O que o Behring me contou é que o Vandré tinha dado a música para Trio Marayá defender com o Quarteto Novo. Só que aí eles queriam usar a queixada de burro na percussão, mas quando estavam ensaiando o som da queixada entrava muito no microfone porque eles cantavam ao mesmo tempo que tocavam então o som entrava muito e atrapalhava. E aí foi quando eles decidiram procurar um solista para cantar e eles fariam o backing. Foi quando o Hilton Acioli disse que lembrou de uma entrevista que você havia dado dizendo que já tinha cantado moda de viola com seu irmão quando era pequeno e aí, ele teve a idéia de te chamar.
Jair – A gente chegou à conclusão de que o que é da onça o lobo não come. Essa música tinha que vir. Depois, nos anos 80 uma outra música apareceu na minha vida... Hoje taí um clássico que é Majestade o Sabiá. Quando você for falar de Roberta Miranda, você já sabe que essa história é minha: Eu de repente fui gravar pela Nova Copacabana, aí eu entrei lá para dar o repertório para a produção, e dois meninos saíram de lá e vieram me mostrar a música. Eu nem sabia quem era a moça, aí fiquei sabendo que ela era a Roberta Miranda e os dois meninos eram o Chitãozinho e Xororó.
“Ó essa moça tá mostrando essa música e tal, então, nós já gravamos, nosso disco vai sair agora, você não quer ouvi-la”
Como foi com Disparada, uma coisa de louco né... Os meus maiores sucessos foram dessa forma. “Deixa isso pra lá” apareceu em 64, a produção não queria gravar de jeito nenhum. O produtor não queria gravar de jeito nenhum. Pô, você vai gravar essa merda aí. Você é um “puta” de um sambista, a gente escolheu mil músicas para você e você quer gravar isso aí? Eu gostaria sim porque é uma música que faz muito sucesso lá na boate onde eu canto. Então grava essa merda aí. Acabou virando um clássico.
Do Geraldo, eu adoro, juro por Deus, gosto do que ele faz, eu até queria, eu ainda vou me comunicar com o Behring, vou ligar para ele e ver se ele já conseguiu as músicas inéditas.

JV – Ele é imprevisível não é? O Borges me falou que durante 6 meses eles trabalharam em cima de um documentário sobre ele, planejaram alguns shows no interior de São Paulo e de uma hora pra outra, ele resolveu não fazer mais nada...
Jair – E a maioria dos autores, das pessoas que fizeram esse país musicalmente, o Vandré também foi um deles, hoje se pega um pessoal desse para gravar, eles vêem. E o Vandré quer ser esquecido...

JV – Ele se sente traído. Ele disse em uma entrevista que quando ele voltou do exílio os amigos o receberam com decepção, queriam-no mártir e morto.
Jair – Não, ele tá errado... Pode ser que exista alguém que pense assim, mas, não é não, eu mesmo quando o vi fiquei super feliz.


JV – Você estava no Festival de Caminhando...
Jair – Não, eu não estava. Eu assisti pela Globo. Mas, eu vi que teve uma confusão, porque o pessoal queria o Vandré em 1º lugar e ele acabou ficando em 2º... Eu gosto muito dele, tenho um tremendo respeito, quando você pára para conversar legal, aí quando ele começa a conversar e ele percebe que você tá prestando atenção no papo, ele solta: Geraldo Vandré ainda não voltou do exílio...


JV - Sobre o programa Frente Ampla...
Jair – Quando terminou o Fino da Bossa, terminou também o do Chico, vários programas musicais saíram do ar e eu... Chegou uma época que nós fomos meio que proibidos a ir a outro programa. Porque, veja bem, se você tem um programa Fino da Bossa e vai ao Jovem Guarda, não vai marcar e cada artista tem que marcar no seu programa. Então quando o Fino da Bossa saiu do ar, eu comecei a ir sim, eu não tinha mais contrato, o único contrato que assinei foi o Fino da Bossa na época e depois eu fui Freelancer a vida toda. Então, depois, eu ia aos outros programas porque eu não tinha mais contrato. Mas esse programa Frente Ampla, gozado, eu não lembro e é uma pena porque a Record é que podia mostrar tudo isso, mas, infelizmente esses 3 ou 4 incêndios destruiu tudo...
Já me perguntaram tantas e tantas vezes se Disparada havia perdido para a Banda nos jurados. No júri popular era disparadamente Disparada, tanto é que eles fizeram até um negócio, porque nesse ano eu classifiquei também Canção para Maria do Paulinho da Viola... ficou em 3º. Quando foi para apresentar o 1º lugar, o Handal Juliano falou: E vamos chamar ao palco Chico Buarque de Holanda e Nara Leão. Aí os caras disseram: Ih, Disparada dançou... Aí foi uma vaia estrondosa e vamos chamar ao palco, Senhoras e Senhores, calma ele falou. Vamos chamar ao palco Nara Leão, Chico Buarque e Jair Rodrigues aí os caras entenderam.

JV – No livro do Zuza, ele diz que você foi embora, depois que anunciaram que você havia se classificado em 3º lugar com Canção para Maria. Aí mandaram te chamar porque tinha uma surpresa.
Jair – Foi, estava indo embora. Aí eles: Volta Jair! Pô, eu já cantei! Não você vai entrar de novo. Aí, diz que o Chico, eu vi depois... Porque quando eu entrei com Canção para Maria, eu pensei: já dancei. Eu vi o Chico na coxia com a Nara, eu pensei: eles foram os vencedores, mas nossa, quando o Randal Juliano anunciou dessa forma foi uma vaia estrondosa: Jair! Jair! Jair! E olha a direção da TV Record resolveu por bem dar empate entre a Banda e a Disparada.
É porque ele viu também que “tava” bravo o negócio. Foi o Paulinho de Carvalho que foi lá e fez o júri mudar as coisas, muda aí porque vai dar confusão qualquer uma das duas que ficar em 1º lugar vai dar confusão. Aí chegaram a feliz conclusão que o empate seria melhor.
Quando saiu meu disco... Porque quando o Vandré foi para Rhodia fazer a excursão, você sabe que depois do festival era para ter saído meu disco o compacto. Eu também defendi a música do Paulinho da Viola e do Capinan que foi Canção para Maria quando Disparada foi a vencedora. O compacto simples tava na cara que de um lado era Disparada e do outro Canção para Maria, mas, não foi. Anunciaram que “tava”saindo meu disco e faziam fila no largo do Paissandu. Quando no final do festival no outro dia já era para estar o meu disco na rua, como eu tinha gravado na Philips... aí a Philips ficou danada porque não achava o Vandré para assinar, o Theo assinou, mas o Vandré eles não localizaram.

JV – Mas eles não estavam juntos?
Jair – Minto, minto, eu sei que eles não encontraram o Vandré de jeito nenhum. Quando acharam o Vandré, ele assinou, mas, com a exigência de que deveria ter do outro lado do compacto uma música dele. Como eu já tinha gravado fica mal com Deus, aí pegaram a gravação de Fica mal com Deus e tiraram Canção para Maria.
O Paulinho da Viola ficou muito... Eu acho que ele não soube do que aconteceu, ele soube agora recentemente que eu contei pra ele... Eu notava rapaz que você era meio assim afastado de mim, aí eu contei a história. Não, Jair eu já tinha até esquecido... Ele disse que é porque era a música que a avó dele mais gostava e quando saiu meu disco com Disparada, a gravação dele saiu primeiro, depois saiu a minha. Muita gente devolveu a dele porque queria a minha. Meu disco saiu 15 dias depois do Festival. A gravação ao vivo não fica boa, aí eu fiz a gravação no estúdio para o disco. Aí quando saiu o disco que eu fui divulgar no rádio, eu levei um choque porque eu vi estampado assim em letras garrafais: “Proibida a execução pública da música Disparada em todo o território nacional” – Obs: Com Geraldo Vandré.
Tava estampado em toda a emissora de rádio. O pessoal da Philips falou... ô Jair Graças a Deus que a sua não foi proibida.
O problema era com ele, com Gonzaguinha, com o Chico Buarque e o Chico tem várias
músicas que é dele, mas ele registrou com outro nome.

Excelente entrevista da jornalista Jeane Vidal com o cantor e compositor Sergio Ricardo que viveu os momentos da ditadura com Geraldo Vandré e conta detalhes da vida do amigo


matéria disponível...http://vandretempoderepouso.blogspot.com.br/2011/04/entrevista-com-sergio-ricardo-cantor_16.html

Jeane Vidal – Como era a sua relação com Geraldo Vandré?




Sérgio Ricardo - Eu já conhecia o Geraldo antes (1967) muito antes de Disparada. Ele trabalhava comigo, a gente fazia o mesmo programa de rádio do Valdemar Henrique, um compositor famoso do passado... O Valdemar Henrique tinha um programa de rádio e ele fazia questão de apresentar os novos, na época. E os novos eram Luizinho Eça, Lincoln, que acabou virando pianista de grupo e tal , eu o Vandré e mais algumas pessoas. O ano disso devia ser 50 e tantos, 58, 59.... antes da Bossa Nova, antes de tudo isso...Foi bem no comecinho, a gente era garoto... eu nasci em 32... em 58 eu tinha 16, 17 anos, não então não é 58, foi 59, 60...




JV – Oficialmente ele começou cantar mesmo em 1960, quando gravou o 1° LP...




SR - Então, antes disso um pouco, devia ser o ano anterior ele tinha feito esse trabalho... Bom e a partir daí a gente ficou assim... mas não era bem amigo, a gente nunca foi íntimo, entendeu? Mas a gente se conhecia, a gente se respeitava, fazia cada qual o seu trabalho. Eu era pianista e cantava, já tava cantando, aí comecei a gravar, eu comecei a gravar primeiro que ele, mas, não foi ainda com a bossa nova. Ele gravou que disco primeiro?




JV – O título era Geraldo Vandré e ele gravou aquela música “Fica mal com Deus.” Foi a música que foi lançada nesse disco...




SR – Fica mal com Deus quem não sabe amar... eu gravei essa música no meu...




JV – a gravadora era a Áudio-Fidelity..




SR – Que fez a gravação dele?




JV – Isso, que fez a gravação dele...




SR – Exatamente, é provável... e eu sei que na época a gente começou a se separar, porque esse programa guilhotinava um pouco esse grupo, mas depois cada um foi pro seu lado. Esse Luizinho Eça virou um sucesso, ficou como pianista de boate e tal, acompanhava os grandes cantores e tal... Eu partir para fazer um outro trabalho como compositor. E o Vandré cantava aqui e ali e tal... E eu só vim saber dele depois, muito mais tarde, com a Disparada.




JV – Mas vocês fizeram alguns projetos no cinema juntos, não foi?




SR - que eu me lembre... é bom você me lembrar isso, porque eu não me lembro....




JV – Na época foi lançado o filme “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, a peça “Calabouço”.... E ele fez a trilha sonora de alguns filmes do Roberto Santos.




SR – É, ele fazia de uns filmes e eu fazia de outros. Eu comecei fazendo do “Deus e o Diabo na Terra do Sol” logo em seguida ele fez pra o Matraga.




JV – Não eram juntos então? Eram projetos separados?




SR – cada qual tinha um trabalho separado do outro, mas tínhamos uma identificação pela coisa do CPC, eu não sei nem se ele fez parte do CPC em algum lugar...



JV – Teve uma época sim, que ele fez parte, inclusive é citado o nome de vocês dois no CPC...




SR – No Rio?




JV – Não, aqui em São Paulo.




SR – então já foi depois do CPC do Rio...




JV – Só que ele não permaneceu muito tempo porque ficou irritado, achava muito panfletário e acabou saindo.




SR – É verdade. Eu também. Ele teve o mesmo problema que eu. E aí cada qual saia fazendo suas coisas com muita semelhança, né? Com muita, muita... era uma coisa meio paralela...




JV – Vocês tinham uma afinidade?




SR – é, tinha uma afinidade por causa da posição política de cada um, e acabamos juntos em várias coisas. Em Sofia, na Bulgária. Eu fui convidado oficialmente pelo comitê daqui que tava decidindo quem ia e quem não ia. E ele, ele conseguiu uma permissão pra ir também ao festival de juventude. Foi por conta própria, era isso que eu queria dizer. Parece que foi por conta própria não foi um convite especial. E lá nós nos encontramos ali, então a gente já recomeçou uma relação, inclusive eu queria usar o grupo que ele tinha levado, que era o Trio Marayá e ele não me permitiu usar o Trio porque eles já estavam um pouco meio confusos.




JV – Eles brigaram pouco tempo depois.




SR – É porque o Trio Marayá queria me acompanhar na música que eu fiz pro Guevara...




JV – Você e o Vandré fizeram suas músicas com o mesmo tema, não é? As duas tinham o mesmo título “Che Guevara” não era isso?




SR – Pois é, eu não me lembro bem da música dele, sinceramente...




JV – A música dele chamava-se “Che”. Eu li uma entrevista dele da época - quando ele voltou desse festival - nela ele comenta que vocês eram os únicos brasileiros que estavam lá e que suas músicas tinham o mesmo tema.




SR – Eu sei que não houve premiação propriamente. Andaram dizendo aí que eu tinha ganhado prêmio de letra e ele tinha ganhado prêmio de... Parece que ele ganhou sim prêmio de intérprete, o melhor intérprete.




JV - Ele veio sim com um troféu, pelo menos é o que diz os jornais da época.




SR – Me atribuíram um prêmio lá de.. Mas, não tinha prêmio, eu fui considerado a melhor letra, mas, não tinha prêmio de melhor letra. Mas enfim... E ali a gente fez uma relação também que não foi muito positiva porque a gente acabou se desentendendo um pouco, porque ele já estava um pouco irracional com as coisas, um pouco nervoso e... Ficou um pouco alijado, digamos, da delegação. Mas fez uma apresentação bela, fez uma coisa bonita, ele e o Trio Marayá fizeram uma coisa muito bonita. Na volta a gente se reencontrou aqui, eu não sei se foi antes disso ou depois disso, já teria passado a Bossa Nova, a Bossa Nova já tinha até acabado com o seu auge e eu já estava na música de protesto com ele. Os dois na verdade, os mais fortes nessa linha de trabalho. Ele de um lado e eu de outro, e uma vez fizemos um show juntos, isso eu não sei se você sabe. No Cave, na boate Cave.




JV – Essa boate era aonde, aqui em São Paulo?




SR – Aqui em São Paulo. Uma boate até que ocorreu uma coisa muito curiosa que eu tinha vindo recentemente da Europa, isso foi depois de 64, foi perto do festival, foi depois do festival da “Banda” e a Disparada, isso. Eu tinha voltado da Europa e íamos fazer, o Chico de Assis parece aqui, que produziu um show pra gente fazer no Cave, tinha até Hermeto Paschoal no meio da história e tudo. Nessa ocasião durante os ensaios eu pedi a ele o carro emprestado pra ir buscar a minha mulher no aeroporto que tinha acabado de chegar do Rio. Ele me emprestou o carro e na volta o guarda me parou pra ver esse negócio de documento, essas coisas e acabou rebocando o carro. Aí quando eu disse a ele: olha rapaz aconteceu uma coisa, e falei pra ele e ele disse: mas que malandro é você Sérgio, porque não deu uma grana pro guarda? Aí eu fiquei... eu não sabia onde enfiar a cara. Porque eu na verdade estava na Itália e lá se você tentar subornar um guarda você é preso. Eu nem pensei nisso, tirei isso da minha cabeça. Quando eu voltei pintou esse problema e eu em vez de oferecer um dinheiro pro guarda, fiquei discutindo com o guarda, tentando convencer o cara e o cara esperando que eu oferecesse dinheiro né, Como eu não ofereci, ele disse: é meu filho o carro vai ser que rebocado. Aí poxa vida, se não fosse o pai do Vandré que tinha lá não sei que tipo de relação tinha com o poder, aí então conseguiu tirar o carro dele. Mas essa foi a coisa curiosa. Nós fizemos um show juntos, essa foi talvez a única vez que a gente se apresentou fazendo uma coisa juntos. O da Bulgária era um festival cada qual fazia sua música. Nesse mesmo ano acabamos fazendo o festival lá da Record, o festival do “Beto bom de Bola” que eles chamam. Aí ele fez uma música sobre chofer de caminhão...




JV – “Ventania”...




SR – Uma música bonita. Mas acho que não chegou a classificação final...




JV – Não.




SR – Como eu também. Ficamos de fora desse festival.


Eu acho que o Vandré tem uma importância pra mim muito grande. Ele era uma referência no sentido de saber que eu não estava sozinho fazendo o tipo de trabalho que eu fazia na época... nos anos 60. De um lado eu fazendo meu trabalho e ele fazendo do outro lado, dali a pouco aparece o Gonzaguinha, Trio Marayá, Trio não sei o quê, o Quarteto Novo e tal, a Marília Medalha, a própria Nara começou a cantar música de protesto enfim que é aquele pessoal que fazia... E ele e eu éramos as pessoas que tínhamos iniciado praticamente esse movimento dentro da música popular e, volta e meia, nos encontrávamos em portas de fábricas, em shows de estudantes, é.. Isso nós fizemos muito, coincidia nossa presença em vários desses lugares, embora não tivéssemos uma participação é vamos dizer assim de patota, nós nunca fizemos uma patota de ser ele e eu fazendo a mesma coisa. Não, cada um fazia o que vinha a cabeça, mas, ambos com uma identificação do trabalho do outro. E éramos chamados pelos estudantes, pelos trabalhadores, pelos camponeses e tal, nos trabalhos que eles faziam. A própria classe média tinha muitas instituições, sindicatos, eu me lembro de ter ido até Brasília pra um sindicato dos alfaiates, uma coisa estranhíssima... Chamavam-me pra ir nessas coisas e geralmente eram shows assim, quase que gratuitos. Alguns mesmo a gente não recebia nada, era pura contribuição mesmo, ideológica né. E fora disso eu gravei uma música dele que é “Fica mal com Deus” e... Ele cantava uma musica minha que eu não me lembro mais qual é, acho que é “o nosso olhar” uma coisa assim. A gente se respeitava muito e nosso trabalho se coincidiam muito, a gente estava nos mesmos festivais, nas mesmas confusões aí com o Dops com essas coisas. Eu não sei nem se ele teria sido chamado pra dar alguma declaração no Dops.




JV – O que eu li é que foi publicado em jornal, que o Coronel Òtavio Costa pedia a prisão dele.




SR – mas isso depois...




JV – depois de “Caminhando”.




SR – depois de Caminhando a barra pesou pra ele. Eu acho que se ele desse muita sopa pelo Brasil ele acabaria ou preso ou exterminado.



JV – Você chegou a ser chamado pelo Dops?




SR - Várias vezes.




JV – Mas você nunca saiu do País?




SR – não, eu quando saí, saí por conta própria. Eu me auto exilava às vezes. Logo depois do golpe eu fui pra Europa e só voltei pra esse festival de 67. Pensando que já estivesse acabado. Imagina você, que ingenuidade pensar que dois anos ou três anos...




JV – Estava só começando...




SR – No ano seguinte a minha volta pintou o AI-5 e aí foi pior. Segundo o Thiago de Melo eu fui mais sacrificado de todos, porque o pessoal saiu... Porque você se exilar é ótimo, porque, você entra pra um país e tem todo um campo pra trabalho. No meu caso não, desde a ditadura que eu venho comendo o pão que o diabo amassou né. Porque trabalhar no seu próprio país estando contra o regime é uma coisa complicada. Então minha situação foi que eu conseguia sobreviver com os shows de estudantes de norte a sul do país pelas universidades que me chamavam. O Vandré não, porque ele saiu andou fazendo as suas... Na Europa...




JV – Ele ficou 4 anos e meio exilado. Ele foi para o Chile, depois foi para a Europa...




SR – Mas fez coisas não é? Ganhou Festivais lá fora, parece, ou ganhou ou participou de festivais...




JV – Eu não me lembro, vou verificar... (Em 1972, ganhou no Peru um festival com a música “Pátria Amada, Idolatrada, Salve, Salve”, parceria com Manduka , filho do poeta Thiago de Mello)




SR – é bom verificar, porque isso aí eu soube, eu recebi essa informação, eu achei tão gostoso isso, fiquei oh que bom que ele tenha ganhado, tava preocupado, tinha saído notícias... Bom mais enfim posso estar enganado também. Pode ter sido um boato e não ter sido verdade. Mas andou fazendo coisas que foram respeitadas lá fora. Sei também de coisas que não agradaram em alguns países.




JV – Teve uma época que ele precisou sair do Chile porque estava se apresentando em programas de TV sem licença de músico e parece que lá é necessário uma licença para se apresentar, e ele não tinha. Foi quando ele foi pra Europa.




SR – Pois é. Essa é a minha contribuição pra tua matéria.




JV – Mas vocês também fizeram um programa juntos na TV Excelsior não foi? O “ensaio geral”?




SR – a gente se apresentava, mas não era junto, cada qual fazia o seu trabalho. Mas nos cruzávamos em várias coisas. No ensaio geral... Eu nunca fui ao Fino da Bossa, não sei se ele chegou a ir. Porque eu tinha, sem saber, tinha um sujeito que me detestava no fino da Bossa, e eu ficava achando que era a Elis Regina que tinha alguma coisa contra mim e não era. Era esse cara que não programava... E ela deve ter pensado que eu esnobava o programa. Ficou essa coisa, só mais tarde é que a gente veio a se falar e virar amigos e tal. Mas nesse mundo aí, nesse Show Busness tem muita confusão, muito mal entendido, muita injustiça.




JV – No Livro “ A Era dos Festivais” do Zuza (Homem de Mello), ele comenta que naquele episódio do festival do “Beto bom de bola” que a Elis e o Vandré foram os primeiros que solidarizaram com você, é verdade?




SR – Exatamente. A Elis foi a primeira a me dar um abraço. Acabei de escrever isso pra uma matéria no Globo que vai saí ainda. Ta fazendo agora 40 anos daquele festival e parece que eles vão fazer aí matérias. Pois é, nós fazíamos isso, estávamos em todas as coisas. Tinha reuniões, por exemplo, de estudantes, de Assembléias, de intelectuais que ele participava e eu também, e a gente estava sempre juntos nessas coisas. Nessas horas foi bonita a nossa relação, e ela continua sendo bonita até hoje, porque o dia que eu encontro com ele, a gente se abraça e... Porque a gente só se encontrava na hora da pesada, mas quando tinha aquela coisa pesada a gente tava junto, a gente se encontrava... Eram passeatas e coisas assim dessa natureza. Reivindicações de estudantes... Eu não sei se ele participava tanto quanto eu porque ele tinha suas indiosincrasias com algumas coisas e eu não tinha nada não, meu problema não era partido era a causa né, então os partidos me chamavam muito pra se filiar mas eu não quis me filiar a nenhum, como ele também não deve ter se filiado a nenhum também. E talvez aquela declaração dele tenha sido mal interpretada porque eu também não quis saber de partido nenhum só bem mais tarde é que eu virei sócio do PT. Mas, porque achava que finalmente houvesse aparecido um partido que viesse a condizer com a nossa luta. Mas... E acho que ele também.. Ou não, né? Não sei... Acho que ele nunca entrou pro PT.




JV – Eu fiz uma entrevista com ele recentemente. Nessa entrevista eu questiono em relação aquela declaração que ele deu à Rede Globo, e ele diz que na verdade houve uma montagem..




SR – Não é de se duvidar. Agora eu não entendo porque ele não canta. Porque não tem que vingar do brasileiro, porque não é por aí, eu acho que isso ta mesmo no desvio.




JV – Quando ele estava no Chile os pais dele foram buscá-lo porque ele estava sofrendo de depressão, foi quando então eles negociaram a volta dele para o Brasil. Ele estava tendo crises fortes e aí quando ele voltou e aconteceu tudo aquilo, ele não quis mais cantar no Brasil. Ele acha que o povo fez dele uma vítima do regime, quando não era nada daquilo. De todos os artistas que foram para o exílio ele foi o único que ao retornar não retomou sua carreira artística. Os outros continuam aí, Chico Buarque, Caetano...




SR – Agora ele, no fundo no fundo ele tem certa razão, porque a gente ficou meio estigmatizado, eu e ele, porque é o seguinte: porque o grande problema é que quando pintou a ditadura e que veio uma nova... Os festivais revelaram os artistas, nós já éramos os artistas que fazíamos a coisa de protesto, a coisa política... E os outros que vieram começaram também a querer fazer, entrar na nossa, não porque queriam entrar na nossa coisa, mas queriam fazer aquilo que a gente estava fazendo, que era uma música de contribuição, de reivindicação.




JV – E até porque era o que chamava o público não é?




SR – Exatamente. Então, logo que veio o AI-5, eles começaram a se organizar de forma empresarial esses artistas e continuaram... Não é nada condenatório isso, não estou falando isso como uma coisa de condenar, é que eu o Vandré e alguns outros, o Théo de Barros, o próprio Hermeto Paschoal e outras pessoas que estavam na nossa leva, ficaram inteiramente marginalizados porque nós continuamos a ser aqueles românticos, entendeu? Essa é a grande diferença que fez com que a gente virasse dinossauros, entendeu? E os novos permanecem até hoje, você vê que é Chico Buarque, que é Caetano Veloso, Gilberto Gil, não sei o quê... O Chico manteve uma bandeira, segurou a bandeira. Os outros partiram para Tropicálias, partiram pra coisas e tal, meio nebulosas em termos ideológicos e na verdade a coisa ficou mais na mão do Chico. E eu fazendo as coisas como o Chico fazia também, de protesto não sei o quê, continuei fazendo, mas só que eu não estava embandeirado naquelas organizações de... a coisa empresarial eu num... Como o Vandré teria sido também. Eu e ele sempre fomos meio a palavra certa é meio “porra-loucas”, no sentido de organização da própria carreira. Conclusão: viramos dinossauros. Se ele tivesse insistido teria ficado na minha posição, ou seja, no ostracismo. Primeiro teria feito um sucesso numa reaparição, mas, logo em seguida teria sido esmagado. Teria difícil pra ele fazer, chegar a fazer um espetáculo, seria difícil, ele iria encontrar muita resistência. Então... Mas isso talvez nem tenha passado pela cabeça dele, ao contrário, ele poderia até achar individualmente que se voltasse a fazer ia ser um sucesso extraordinário. Seria, num primeiro momento, mas se ele não viesse a se organizar como os outros empresarialmente, que eu acho que dificilmente ele aceitaria... Rebelde como eu também... então ele acabaria como eu estou, numa situação que luto, luto, luto...e não acontece. Entendeu? E não sou superado, porque se fosse uma questão de ter ficado datado o meu trabalho e ter ficado uma coisa... Não, eu tô fazendo coisas que... Chico Buarque outro dia esteve em minha casa querendo música pra botar letra. Entendeu? Chegou lá achou uma música maravilhosa, levou, ele achou maravilhosa, levou a música pra fazer letra, quer dizer: não estamos superados, porque o que veio depois da gente em termos de músicas, não nos colocou como pessoas superadas, como artistas superados.




JV – O interesse comercial hoje prevalece, não é?




SR – Prevalece. E cada vez vai piorando, no sentido de qualidade. A ponto de vender o que anda por aí. É uma bagunça, a música virou um objeto descartável insuportável. De alguma maneira com um sucesso lá em cima. Mas, enfim, talvez até tenha-se poupado, sem querer ele poupou a vida dele, por uma determinação de um sofrimento que ele viria a ter...




JV – Eu perguntei a ele em que momento ele decidiu que não cantaria mais no Brasil e por que. Ele disse que em nenhum momento ele decidiu que não cantaria mais no Brasil, que ele continua fazendo música, mas, não comercialmente, e que ele não tem interesse em gravar comercialmente, esse não é o seu objetivo.




SR - Então, então nesse caso... Mas ele teria que ter um objetivo qualquer de fazer pelo menos algo para o sustento dele...




JV – Ele era fiscal da Sunab, se aposentou como fiscal da Sunab e deve ter a aposentadoria dele. Acredito que ele também receba direitos autorais.




SR – muito pouco se comparar com as minhas... é uma coisa muito... Bom, ele deve ser protegido de alguma forma ou de outra, deve ter alguma forma que faz com que ele tenha o do sustento pelo menos. Eu, nem isso tenho, mas, tenho que me virar... Agora eu acho uma pena que ele não esteja na parada. O que acontece é o seguinte, é que a gente tendo sido calado pela censura, proibidos de tocar no rádio, porque a nossa música foi proibida de tocar no rádio, tanto a minha com a dele... Jogaram pra cima da gente um destino muito trágico de um esquecimento.




JV – A revolta do Vandré é que ele acha que foi condenado pela própria sociedade.




SR – Não é bem isso, ele tá errado nisso, a sociedade reclama pela volta dele, mas é que a voz do povo não tem vez, quer dizer, você não ouve a voz do povo, você entrega pro provo a voz que ele tem que repetir. Então, e o povo, o nosso povo realmente ele é, ele é... a palavra certa.. é...submisso. Ele é submisso por natureza, e recebe as informações e as repete.




JV – Como verdade.




SR – Como verdade... Então ele passa a repetiu as verdades que lhe impõem a mídia, o sistema. Mas tem suas preferências. O povo gosta do Vandré, como gosta do meu trabalho, mas é difícil eles receberem porque eles não têm como receber esse trabalho, então eles consomem outras coisas. Eu acho que traído pela sociedade é um pouco exagerado da parte dele. Porque o que aconteceu é que a música brasileira vinha da Bossa Nova para a música de protesto como a gente chamava, como eles chamavam a música política, a música engajada, e depois partiu pra... Como foi proibida, surgiu a Tropicália. Mas os historiadores, os críticos e tal, eles pulam esse pedaço, eles saem da Bossa Nova para tropicália como movimento, mas na verdade o grande movimento foi o nosso, foi o verdadeiro movimento, porque era uma coisa que vinha de baixo pra cima. Isso é uma coisa ruim, entendeu? Porque a gente foi colocado à margem, não só pelo próprio sistema, que era o objetivo do sistema era nos colocar à margem, mas como a sociedade no sentido da crítica, no sentido do reconhecimento histórico, dessa coisa, não na memória do povo, porque o povo tem memória do nosso trabalho até hoje, inclusive. Eu saio nas ruas e as pessoas me conhecem ainda, o Vandré sai às ruas e todo mundo diz: lá vai o Vandré, poxa que bom se ele pudesse ter mais... Se o Vandré estivesse, eu não sei se ele está, mas eu estou ligado nas coisas do computador, por exemplo, e recebo e-mails...




JV – Ele não... Ele não quer saber.




SR – Ele não deve gostar disso. Pois é, eu recebo e-mails com uma reclamação incrível da minha ausência nessa história, e muita gente perguntando sobre o Vandré, mas, não há resposta pra isso. Mas a análise não é bem a do esquecimento da sociedade, não é bem isso. É o esquecimento dos manipuladores da informação. Isso que é a coisa, que um dia ou outro, já diz até o próprio Chico Buarque outro dia em minha casa... Sabe o seu trabalho... Se você disser o meu trabalho estará por extensão falando do trabalho Vandré, Théo de Barros... Esse trabalho um dia será desenterrada e será ouvido por todo mundo, porque tem valor, tem valor não só histórico, como arqueológico mesmo, de uma época, como é bonito, como não foi superado, tem várias coisas aí que ia ser consideráveis. São obras importantes, como se descobrissem de repente os clássicos entendeu? Porque são clássicas essas nossas músicas, então não há porque condenar a sociedade. É tudo filha.